Reserva Natural de Fauna Andina, Eduardo Avaroa.
Pela manhã saí de San Pedro de Atacama no Chile em direção à Bolívia.
O caminho que leva à fronteira é uma longa subida e muito bonito. O frio é intenso e piora quanto mais subimos.
Estou preparado, pensei e em outras situações em que tive que enfrentar a altitude meu corpo reagiu bem.
Finalmente conheceria esse lugar mágico que consumiu muitas horas de pesquisa e planejamento.
Por se tratar de região desértica o planejamento foi cuidadoso. Troca dos pneus de “la Gordita” ( BMW1200 Adventure), com direito a verificação minuciosa de seu funcionamento. A bagagem também ganhou um carregador de bateria de emergência e alguns litros de água para o caso de eu ter que acampar.
Dessa vez testei o fogão antes da partida.
O controle de imigração à entrada do Parque é demorado e os guias locais acabam furando a fila apesar dos protestos dos outros visitantes. Tão logo entrei na Bolívia descobri que a alfândega seria feita em outra cidade dentro da reserva aonde teria que passar para dar entrada da moto.
Finalmente começava a aventura tão desejada e ao mesmo tempo temida. Sempre me preocupei em fazer esse trecho sozinho pois um acidente nessas condições geralmente é fatal. Fiquei deslumbrado com a paisagem e logo avistei um lago magnífico que mais parecia uma pintura. O vento forte e o frio era incomodo e a estrada de cascalho solto era razoável.
Mais adiante um bando de vicunhas atravessou a estrada bem à minha frente.
E´lindo vê-las correr livres pelos campos. Sua cor se confunde com a paisagem e é preciso estar atento para não atropela-las.
Parei para tirar uma foto e por causa do frio nem as luvas tirei.
Aproveitei para descansar um pouco pois nessas estradas o melhor é conduzir a moto em pé e na altitude próxima a 5000 metros cansa muito
Mais adiante apenas poucos minutos da última foto, sofreria o acidente.
Ia pela estrada procurando seguir as marcas de carro pois o terreno é mais firme. Entre as marcas um monte de pedras soltas que no Brasil chamamos facão.
Não sei se foi o vento ou se perdi a trilha. O certo é que perdi por completo o controle da moto e percebi que o tombo seria inevitável pelo lado esquerdo. Essa é a última imagem que guardo na memória com relação ao acidente.
Creio que permaneci desmaiado por cerca de uma hora. Fazia uma força enorme para levantar-me e a dor era muito forte na região do tórax. Respirar era difícil e pensei que seria por causa da altitude. Notei quando levantava alguns pés à minha volta e me dei conta que não estava sozinho.
Um grupo de franceses me socorreu e um deles era médico.
Levou-me à entrada do Parque e não os vi mais.
Lá os guardas do parque disseram que não poderiam levar-me de volta ao Chile. Nesse momento Bolívia e Chile enfrentam graves problemas diplomáticos envolvendo as fronteiras.
Por sorte um senhor que por ali passava disse que me levaria se eu pagasse a viagem. Juntou-se a nós um dos guardas do parque.
Deixamos o parque duas horas depois do acidente e fui levado de volta para San Pedro de Atacama na mais dolorida viagem de minha vida.
Meus pertences foram colocados no carro e ao chegar ao posto de saúde pedi que fossem ao hotel aonde havia ficado hospedado entregar minhas coisas.
Já estava na ambulância que me levaria a Calama quando chegou Idiana a proprietária do hotel.
Tão logo soube do acidente correu ao posto de saúde.
Pegou na minha mão e disse. “ Vão levá-lo a um hospital público em Calama mas você tem que sair de lá pois senão você morre. Falarei com amigos que estarão esperando por você em Calama e vão levá-lo a outro hospital, não se preocupe”.
Cheguei ao hospital lá pelas três e meia da tarde e logo chegaram os amigos de Idiana, Juan e Evelin que ao meu lado ficaram.
Enquanto estive no hospital Dr.Carlos Cisternas tinha duas preocupações. Avisar em casa que estava bem antes que soubessem por terceiros e se assustassem e manter-me consciente o tempo todo.
Conseguiram uma ambulância e fui transferido para o Hospital del Cobre
Já passava das cinco quando fui finalmente atendido. Constataram inicialmente três costelas quebradas e uma hemorragia no pulmão.
Posteriormente mais duas costelas quebradas e o rompimento do ligamento acromioclavicular no ombro.
Foram dias de muita dor e solidão apesar do carinho de Juan e Evelin e das mensagens diárias de Idiana e de Alberto seu marido.
Lena recém operada não pode viajar até quinta feira quando finalmente chegou a Calama.
Fui tratado com atenção e carinho por todos da equipe médica o que em muito ajudou na minha recuperação.
Hoje, recebi alta e aguardo ansiosamente o momento de voltar ao Brasil e rever pessoas tão queridas.
Alguns ossos quebrados e a carne machucada não foram suficientes para abalar meus sonhos que continuam intactos.
Porém os sonhos terão que esperar um pouco pois antes tenho que operar o ombro e novamente preparar meu corpo para as novas aventuras.